sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

(i) m o r t a l ?



Quando eu nasci não sabia que ia morrer.

Quando tu vieste ao mundo, mal abrias os olhos e, nem desconfiavas que vinhas para uma passagem efémera,

Quando tinha dois anos abraçava as árvores e julgava que quem cuidava de mim e eu, iriamos ser felizes para todo o sempre.

Quando tu tinhas seis anos choravas contra a almofada porque já te tinham explicado que as pessoas iam para o céu. E sofrias porque não querias que os teus pais e a tua ama fossem. É que nesse dia reparaste que o céu não era a Terra e que esse tal lugar (que mais tarde entendes ser utópico, de facto) não existe perto de ti. Aí corres e abraças com força o teu pai, o teu avô e o bebé.

Agora, aos 17, percebo que esse céu não é mais do que uma forma suave de dizer aos pequenos que foram abandonados e para guardarmos esse lugar quando precisarmos de conforto na hora da saudade. Pois basta abrir a janela, ver o azul e nem precisas de te esforçar para que vejas o céu dessa pessoa que partiu embatida nos teus olhos e refractada no teu peito.

Agora, talvez analisando as coisas de uma forma mais fria, mas nunca perdendo a inocência e a crença na minha ama, reparo que o homem está à partida condenado à morte. Parece brusco de dizer, arrepia ao ler e incomoda pensar. Nem nunca iremos aceitar a ideia, jamais nos iremos satisfazer quando percebemos que o tempo luta contra nós, nos rasga o rosto, tal como o vento nos arrefece o corpo.

Tudo o que escrevo ou deambulo, os meus gestos, o olhar que carrego, nada mais ganham para além da humildade do passar do instante, a caminho do único ser indomável - meu caro tempo.
Momentaneamente o que me alivia é a ideia ou a ilusão de poder deixar saudade (tal e qual como alguém depositou em mim esse sentimento); o que me apara a angústia é saber que posso contribuir para esta merda e depois ir em conformidade por esse horizonte fora. De consciência traquila duvido, pois como Steven Wright escreveu e passo a citar: "consciência limpa é, geralmente, sinal de péssima memória".

Penso que cada um de nós se torna imortal na medida em que deixa a sua mensagem, o seu testemunho, não importa se a um ímpar ou ao mundo inteiro.
Poderia mencionar um número infinito de célebres e marcantes sábios que outrora passaram por aqui e que agora ainda reencarnam a lembrança: Joaquim Alvaro, Steven Wright , Amilcar Henriques, Kant, Nietzche, Sophia de Mello Breyner, Afonso Henriques, Sócrates, Pitágoras e por aí adiante... Esses homens ficarão registados na bíblia da Terra e é por isso que nos atrevemos a recitá-los e a diferenciá-los apesar das épocas, dos séculos, do tempo.

Mas não seremos nós mortais quando os dinossauros voltarem num meteorito à Terra?
Sim, uma vez que eles são analfabetos e só nós, humanos valorizamos (ou não) o entendimento uns em relaçãos aos outros.

A escrita foi "só" um pretexto para elevar a nossa comunicação, as nossas descobertas, os nossos registos. Por sermos insatisfeitos, alucinados ou racionais, sofredores e metódicos, escrevemos.

Se todas as palavras vão um dia enterrar-se no mar, porque estou eu aqui ainda escrevendo?

Talvez devesse dedicar-me à arte rupestre. Pode ser que os dinossauros saibam reconhecer jibóias abertas e direrenciá-las de jibóias fechadas, tal como as crianças.

11 comentários:

  1. « (...) jamais nos iremos satisfazer quando percebemos que o tempo luta contra nós, nos rasga o rosto, tal como o vento nos arrefece o corpo. » adorei, Joaninha ! escreves sempre coisas lindas e surpreendes-me sempre :) *

    ResponderEliminar
  2. Bom, eu, fiel seguidor do teu blog, e preocupado em comentar e analisar os teus textos, no dia em que te digo que escrever não é o meu forte, e que odeio por isso mesmo, escreves um testamento!
    És má para mim, que não volte a acontecer! :P
    Acho que te vou dar na cabeça e muito..

    "Quando"(eu era pequenino,ainda)"mal abrias os olhos.." Lembrei-me logo da Quinta do Bill!
    (Só um aparte he he)

    "Quando..."
    (...)
    "Quando..."
    (...)
    "Agora,..."
    Não te vou falar na repetição, acho os "quandos" necessários!
    No "agora" ficava engraçado se pusesses "aquando os meus 17 anos", era uma brincadeira nas palavras e ajudavas o leitor a compreender melhor a evolução temporal(embora esteja muito bem explicita!).

    "Parece brusco de dizer, arrepia ao ler e incomoda pensar."
    Five Stars*!

    "escreveu e passo a citar:"
    Podias escrever e passo a citar: "De uma forma mais natural.".
    É uma frase muito batida, sei que gostas de explorar outros tipos de 'linguagens'.

    "Penso que cada um (...) mundo inteiro."
    Este parágrafo, tá noutro nível do resto do texto. Não diria que é dispensável, apenas que podia ser trabalhado como os outros..
    É um texto opinativo, vem de ti. O leitor sabe disso. O "penso" parece-me a mais e estraga um bocado o momento.
    Um leitor está na tua pele, e de repende, tu lembraste-te de "pensar" e ele tem que sair, por tu estás lá!
    Uma opinião é uma certeza até(ou não), ser mudada.
    "...na medida em que..."? Então! Muito forçado.. que aconteceu ás virgulas, passagens poéticas e directas?
    Acho que escrevias de outra forma!
    (Cada um de nós se torna imortal, deixa a sua mensagem, o seu testemunho, não importa se a um ímpar ou ao mundo inteiro.)
    Talvez assim, e ainda arrajnas forma mais poética de dar a volta!
    (Desleixaste-te...)

    O "poderia mencionar" e o "mas" creio que deveriam estar no mesmo parágrafo.. Para haver seguimento de ideias..

    "A escrita foi "só" um pretexto para elevar a nossa comunicação, as nossas descobertas, os nossos registos. Por sermos insatisfeitos, alucinados ou racionais, sofredores e metódicos, escrevemos."
    (Aqui não 'pensaste que', juntaste frases por virgulas e poeticamente, como tu sabes! Bom parágrafo, não sei que se passsou no outro :S)

    Os dois últimos parágrafos podiam estar trocados, talvez por causa da 'assinatura de escritora' que te falei..
    Acho que vinha 'mais de ti' se fosse assim. Acabar sempre em grande!

    O tema é muito bom, desleixaste-te um bocado (na minha opinião e depois de ver como escreves), mas não estraga nada, a ideia está implicita, a mensagem está transmitida..
    E concordo plenamente!

    P.S: Se morreres primeiro que eu (knock knock :P) lá pelos 108 aniversários... Acho que, para mim, permaneces viva até eu bater as botas aos 111!
    (imortal durante uns tempos :D)
    Obrigado por tudo Maninha :)*

    ResponderEliminar
  3. A repetição do quando é essencial para o organização das ideias, não sei fazer de outra forma. Obrigada pela sugestão do "aquando os meus 17 anos" mas julgo que se me tivesse surgido essa ideia, escolheria o que escrevi. Pode ser mais brusca a passagem e não seguir tanto as ideias anteriores, mas dá mais ênfase.

    Se é batida ou não.. soube dela no dia em que escrevi o texto.. e pensei que era ideal para justificar algumas ideias minhas. tens razão quando dizes de outros tipos de linguagens.. mas por vezes o mais simples e evidente é o mais importante. foi por isso que o citei. Mas sim gosto do que me faz a atrofiar a cabeça x)

    Agora que leio de novo, o "penso" seria dispensável.. Fica fora do contexto, mas o que se segue não é dispensável, muito pelo contrario... A ideia que exponho é importante, pois é através da mensagem que deixamos aos que ficam que nos tornamos imortais. Aí está a minha justificação para a imortalidade do homem (seguida de exemplos).

    talvez tenha recorrido a conectores desnecessariamente... há uma forma mais simples de articular ideias... que torna o texto mais eloquente.
    (Cada um de nós se torna imortal, deixa a sua mensagem, o seu testemunho, não importa se a um ímpar ou ao mundo inteiro.)
    Não é desleixo, gosto da construção da frase, da simplicidade da frase.

    Reconheço o desleixo.. mas porque este é um tema muito profundo e para se escrever sobre ele é necessário trabalhá-lo interiormente. Escrever isto foi muito expontaneo.. e o trabalho posterior foi sem cigarro x)

    Já estava a adivinhar essa critica: dos dois ultimos paragrafos. Ainda pensei em trocá-los. O penultimo era suposto ser o último, mas ocorreu-me e escrevi o agora último e resolvi acabar assim. Está lá a ultima ideia a transmitir.

    Pergunto-me: "porque estou ainda escrevendo?" e se reparares.. continuo a escrever! era esse o objectivo.. que deixar de escrever não fosse a ultima coisa a dizer!


    p.s - então será uma honra morrer primeiro :,D

    ResponderEliminar
  4. Ah, a arte de viver com a morte, a morte sem Além. Também já descobriste que a morte valoriza a vida, é sua companheira e que é preciso saber viver com ela. Já quanto ao viver para ela... vamos com calma. Saber viver e saber morrer são duas coisas diferentes. Há muitas coisas que não são imortais que vale bem a pena fazer na vida. Até porque (também eu) desconfio muito da imortalidade do Homem.

    PS. Ah, que prazer conhecer-te :)

    ResponderEliminar
  5. que bom, seguidor do meu blog :)

    Não toquei tanto nesse aspecto de valorização da vida através da morte. A consciência da morte é a motivação para encarar a vida e procurar algum sentido. se fossemos imortais como seria? Tinhamos todo o tempo do mundo para tudo. Agora se somos imortais? Sim, somos. Não sei se reparaste no meu último paragrafo. Falava de jiboias abertas e jiboias fechadas, do "Principezinho". Foi a tua mãe que me deu esse livro na despedida. Deixou bem cravada a sua mensagem. Embora fosse muito pequenina lembro-me perfeitamente desse dia : )

    ResponderEliminar
  6. Essa foi subtil demais. Eu não me lembrava que a minha mãe te tinha dado o "Principezinho". Acho que já não sou criança há muito tempo (embora continue a haver quem afirme que nunca deixei de ser...). mas realmente faz todo o sentido. Há pequenos gestos, simplicíssimos, que nos podem tornar imortais.

    ResponderEliminar
  7. Não te lembras porque foi uma coisa só nossa.. ela levou-me até ao jardim de brincar e ofereceu-mo : )
    Acho q vale a pena sempre conservar a criança que há em nós e valoriza-la acima de tudo.

    Como por exemplo que gestos?

    ResponderEliminar
  8. O gesto de te dar esse livro é um deles. Foi inesquecível, e agora fragmentos da vida dela ainda perduram na nossa memória, ainda a conseguimos trazer à vida, de certa forma.
    Enfim, acho que não é preciso agradar a toda a Humanidade, nem ter o nome nos livros de história. Está ao nosso alcance dar alguma coisa de nós aqueles que nos rodeiam. O que é que queremos dar?

    ResponderEliminar
  9. O que descreveste chama-se humildade. queremos dar-nos a nós mesmos. Na nossa autenticidade, no nosso verdadeiro ser.

    O que é que queremos dar?

    ResponderEliminar
  10. O que é que queremos dar?

    Cada um tem a sua resposta.

    ResponderEliminar
  11. E "O segredo da criatividade é saber esconder as fontes" :p
    (Vê o mail)

    ResponderEliminar