segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Numa conversa sobre religião uma amiga contou-me um episódio de vida que passo a expor: Uma família de 3 - Maria e dois filhos, Jesus e Joaquim - adoeceu e foram os três internados durante o mesmo período de tempo no hospital, em estado grave. Ultrapassaram esta fase e hoje vivem.
Uma amiga de Maria foi visitá-la e interrogou-lhe: "Depois de tudo isto, como consegues crer tanto em deus?"
Serena e de sorriso humilde respondeu: "Deus só traria para a minha vida circunstâncias que, à partida, saberia que eu conseguiria aguentar."

É irrelevante dizer que este episódio me levou a reflectir, pois aqui testemunho.

Confesso ser uma pessoa de Ciências, isto é, que acredita no que se pode comprovar experimentalmente. Mas por outro lado, há algo que desperta em mim a questão: "Haverá algo mais para além do Físico?" Neste aspecto ainda não estou a considerar qualquer tipo de intersecção por parte de deus ou da religião. Falo antes de algo que não consigo explicar bem por palavras. (Escrever é apenas a forma de tentar organizar as ideias soltas que me abarcam). Mas creio em algo que está para além de e, momentaneamente, intrínseco a nós mesmos. É-me complicado interiorizar várias teorias do foro mental, por exemplo a teoria do "Ice berg" de Freud, que separa o consciente do inconsciente. Consciente é o que está à superfície de um ice berg; inconsciente é todo o conjunto - de maior dimensão - que só se vê quando mergulhamos. Julgo que a mente e as áreas cerebrais não podem ser de todo responsáveis por todos os meus sentimentos e emoções. Acho que seria geometrizar o que sinto, concentrando a responsabilidade num pequeno e efémero orgão. Banalizar é a palavra adequada, em vez de geometrizar. Ou então esta minha reflexão não passa de uma mera desculpa ou ilusão perante a Ciência ou perante a existência de Deus.

Agora retomando o tema da religião, coloco duas questões:
O que é a Fé?
O que é deus?

Talvez Deus seja a nossa consciência e a tomada de consciência das coisas belas do mundo. E por isso encontra-se presente em nós e no que se reflecte e embate contra os nossos olhos.
Talvez deus seja o que está presente humanamente em nós; talvez seja uma deturpação à consciência; talvez seja o adormecer ou o despertar - não sei! À primeira vista pode parecer contraditório, então eu assumo-me como contraditória.

A Fé provém da força interior. É sinónimo de coragem e esperança. Aqueles sentimentos que agarramos do mais íntimo que em nós coabita. Que se reflecte no combate às experiências mal passadas, mal vividas.

Talvez deus seja o acto de nos auto-analisar após um dia, uma rotina; a forma de nos perdoarmos e aceitarmos a nós próprios, replicando perdão a alguém. No fundo, creio, a nós mesmos.

Quem nunca falou com alguém no cair da noite, levante o braço! (Num momento de desespero, de angústia...) Se, de facto, existe um ente capaz de escutar todas as vozes, réplicas e pedidos de socorro não sei, duvido muito, aliás. Um ser omnipotente e omnipresente? Não será antes uma criação humana imperfeita da ideia de perfeição, daquilo que não conseguimos ser ou atingir?

Se esse acto de tomar consciência se chama deus, alá; se falamos com a almofada ou desbaratamos contra as paredes, então só mostra a diferença e individualidade de cada um. O meu deus chama-se consciência. Ainda estou indecisa entre os nomes consciência e liberdade. De qualquer das formas guardo em mim experiências passadas e momentos de inexplicável bem-estar e nitidez, vividos na minha caminhada escutista e cristã. Se me afastei foi porque se despertou em mim um alargado questionário existencial. Se voltarei a pisar o céu de uma igreja... bem, creio que sim. Para escutar a melodia dos fiéis. Se permanecerei por lá num banco, de forma discreta... sim, concerteza. Nem que seja para reviver todos os momentos não digo perdidos no passado, mas ganhos no meu presente e que, de certa forma, contribuíram para a minha maneira de ser e estar.

Julgo que a Religião ajuda a humanidade humanizar-se, tendo em conta todos os bons princípios enunciados. Sabemos que a Igreja já foi responsável por crimes (agora considerados), como por exemplo a criação da Inquisição e a alimentação da Escravatura; e se ainda o é não sabemos. Talvez daqui por mais dois séculos os nossos descendentes se lembrem de fazer a mesma análise.

Há valores e lições morais que retiro de aprendizagens que fiz "por lá". Mas agora que vejo o barco de longe, talvez com mais nitidez - porque vejo ao longe e de cima - julgo que a crença enquanto religião nos retira a liberdade enquanto pensadores. Ironicamente, dá-nos conforto na véspera de Natal e rouba-nos a crítica no Ano Novo.

Dizem que Ciência e Religião são incompatíveis. Ciência e fé - afirmo - são compatíveis.
E mais, não suporto nem tolero a ideia da confissão. Não compreendo o objectivo nem a finalidade de haver alguém "com poderes", com a capacidade sobrenatural de absolver pecados terrenos e humanos. A ideia imposta de que se te confessares, vais reencarnar junto do pai, é-me racionalmente errada. A ideia da culpa e do pecado está extremamente presente no cristianismo. Não nego de forma alguma a consciência perante os nossos erros, mas "tomar consciência" por medo de não ir para o céu? (Agora é uma crítica forte e feia para alguns crentes que me possam ler, mas acreditem, se for o caso, já estive do outro lado, do vosso lado e não quero de forma alguma desrespeitar a vossa religião. Apenas exponho as minhas críticas e opiniões.) Acredito que para muitos a confissão seja encarada como forma de perdão a si próprios, de auto-análise e aceitação, mas têm que concordar que a ideia por mim mencionada é veiculada nos sermões.

A minha confissão é à noite, a mim mesma. E o perdão, esse demora. Não se absolve e esquece com um Pai-nosso. Fica até encarnar o meu inconsciente para passar a viver num passado que por ali ficou, constituindo-se, nada mais, nada menos, uma página mal escrita, enrodilhada e queimada no esquecimento.

Questiono-me: "De onde provirá a força de Maria?" Concluo que a força provirá da sua crença, confiança e respeito pelo seu Deus.

FÉ é quando depositamos confiança em nós mesmos e no incerto. Acreditar em nós mesmos - consciência ou liberdade - ou numa entidade superior que nos guia... bem é "quase indiferente". O importante está presente no verbo crer no presente do Indicativo, em toda a nossa dimensão e vivacidade.

Nota: Ice berg é uma personificação para o termo mente.
Maria, Jesus e Joaquim são nomes fictícios.

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